Original article in Portuguese – see below
By Frederick Arnaud
President of the Brazilian Association of ABRAMEDE – Emergency Medicine
A letter to the medical institutions of Brazil, including the Ministry of Health, the CFM (Federal Medicine Council), AMB (Brazilian Medical Association), CNRM (National Commission of Medical Residency) and everyone who works emergency services.
In 1984, Barbara W.Tuchman gave the world the book “The March of Folly,” which, in addition to being amazing, is admirably well written. It is a book to be read and reread, dedicated to those who are interested in the ways of humanity and who seek explanations for the mindless adoption of government policies that contrary to their own interests.
The author offers four episodes in world history as examples of symbolic moments: 1.The Trojans and their mysterious wooden horse inside the walls of Troy. 2. The inability of the Renaissance Popes to capture the importance of reformist voices and not prevent Protestant division. 3. The arrogance of the English lords that led to the process of North American liberation. 4. The American quagmire in Vietnam.
How do we understand that with policy-making power, some act so frequently in a manner contrary to reason and to the interests at stake? Why do the mental processes of these intelligent people too often seem not to work? The conclusion is offered to the reader that the main cause of folly is the ambition of power.
The lust for power is defined by Tacitus as being the “most flagrant of all the passions.” It is satisfied only when exercising power over other human beings. Governing ends up being the best way to exert power over people. But what does this have to do with Emergency Medicine in Brazil? After reflecting on the struggle for the recognition of Emergency Medicine in Brazil, I ask myself why is this recognition so difficult to attain? Why, despite all the evidence presented, technical, scientific, financial and social, our institutions insist on ignoring this issue or when they do, act so slowly and indecisively.
Numerous discussions have occurred throughout Brazil and always with the same conclusions: Emergency Medicine as a specialty is important to Brazilian medicine. The discussion is so repetitive, it’s getting boring and bland. Are they trying to overcome tiredness? As the saying goes: Why is it that more than sixty countries around the world have already taken this initiative, including the nations that lead the world in technological advancement, such as the United States, England, Australia, New Zealand , France and others, while we are still so reluctant? These countries have already demonstrated extremely positive results with such policies. It was clear that there was a substantial improvement in emergency services with benefits for the whole health system. The mortality rates of acute diseases declined, and the ethical and legal proceedings against professionals reduced significantly. The health system, doctors, and especially patients who were provided services in skilled and humane way all benefitted. The costs were reduced, while making these services more effective and efficient. Poor practices became a rare occurrence. The new professionals, developed through the concept of the emergency physician, perform all procedures necessary for maintaining life safely and correctly. The specialization contributed to the prevention and treatment of diseases. It was the only way for the professional to get established in the field and work as more than just a “freelancer.”
It contributed to the alleviation of overcrowding, since the emergency physician has more success and hospitalizes patients only when necessary, in addition to requesting tests correctly when appropriate. In countries where Emergency Medicine is a specialty, the professional is respected and paid well, unlike our current situation where working conditions are inhumane and wages are demeaning. The professional is humiliated, abused and doesn’t stay very long in the profession. The chaos in emergencies continues, while having meetings and more meetings, discussions and more discussions. The emergency continues with little prospect of change. Would in not be, ladies and gentlemen, our institutional FOLLY to continue to discuss the issue without actually doing anything?
Returning to the book “The March of Folly,” did anyone suspect that huge horse? How many Christians denounced indulgences without doing anything? No matter how much counsel they received, the Americans still entered Vietnam, and we all saw the result. Well friends, the conclusion is that a similar process in happening in Brazilian medicine today, despite all the talk, all the forums, and all the evidence. Reactionary forces with threats to their power continue to prevent what is already more than clear to most professionals. People who do not work in an emergency or know the emergency and mostly do not live the emergency continue to prevent it from becoming established. Who cares about this chaos? The cause of the foolishness, once again, is the lust for power, both financial and social.
The saddest thing is that this nonsense is transformed into deaths every day at thousands of emergency services sites across the country. This foolishness is transformed into poor treatment, humiliation and prejudice toward professionals who are dedicated to their jobs. The folly will lead to the extermination of an ideal that is legitimate, true and necessary to our health system and our population. It is encouraging to know that we will not rest and will continue to defend this idea, which can initiate the process of transforming our emergencies and place them at the level of importance they deserve. We will not allow our minds to command the folly and we will always march in order to do what is best for the patient: the beginning, middle and end of our profession. So I urge our institutions that seek to provide answers to Brazilian physicians, in the most brief and emphatic manner possible: Why is Emergency Medicine not yet a specialty in this country? To conclude, we will repeat the phrase coined by John Kennedy: “The problems of the world cannot possibly be solved by skeptics or cynics whose horizons are limited by the obvious realities. We need men who can dream of things that never were.”
I, physician, work in medical emergency 36 hours a week in shifts and 24 hours a day as a manager.
A marcha da insensatez NA MEDICINA DE EMERGÊNCIA BRASILEIRA
Carta endereçada as Instituições Médicas deste País: CFM, AMB, CNRM, Ministério da Saúde e a todos que trabalham nos serviços de emergência do Brasil
No ano de 1984, Barbara W.Tuchman premiou o mundo com o livro “A marcha da insensatez” que, além de surpreendente, é admiravelmente bem escrito. Obra para ser lida e relida, dedicada aos que se interessam pelos caminhos da humanidade e procuram explicações para a insensata adoção, por muitos governantes, de políticas contrárias aos seus próprios interesses.
A autora oferece quatro episódios da história mundial como exemplo de momentos muito emblemáticos: (1) Os troianos puxam o misterioso cavalo de madeira para dentro dos muros de Tróia; (2) Os Papas da Renascença não captam a importância das vozes reformistas e não impedem a cisão protestante; (3) A arrogância dos lordes ingleses detona o processo de libertação da América do Norte; (4) Os americanos se atolam no Vietnã.
Como entender que, com poder de decisão política, alguns ajam, tão frequentemente, de forma contrária àquela apontada pela razão e pelos próprios interesses em jogo? Por que o processo mental dessas inteligências, também, tão frequentemente, parece não funcionar? A conclusão final oferecida ao leitor é que a principal causa da insensatez é a ambição do poder.
A ambição do poder é definida por Tácito como sendo a “mais flagrante de todas as paixões”. Ela só se satisfaz quando exerce o poder sobre os demais seres humanos. Governar acaba sendo a melhor forma de exercer o poder sobre as pessoas.
Mas o que isso tem a ver com a Medicina de Emergência no BRASIL? Após refletir sobre a luta para o reconhecimento da Medicina de Emergência no Brasil, passo a me perguntar por que está sendo tão difícil esse reconhecimento? Por que, apesar de todas as evidências apresentadas, técnicas, científicas, sociais e financeiras, as nossas instituições insistem em ignorar esse problema ou quando o fazem, atuam de forma lenta e discreta.
Inúmeros debates já ocorreram em todo o Brasil e sempre com as mesmas conclusões: Medicina de Emergência como especialidade é importante para a medicina brasileira. A discussão, de tão repetitiva, já está ficando enfadonha e sem graça. Será que estão querendo vencer no cansaço? Como diz o dito popular: Por que será que mais de 60 países no mundo já tomaram essa iniciativa, entre elas as nações que comandam o conhecimento e a tecnologia mundial, como Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Nova Zelândia, França e outros enquanto nós ainda relutamos tanto? Estes países já apresentaram seus dados extremamente positivos com tal ação. Ficou claro que houve uma melhora substancial nos serviços de emergência, com benefícios para todo o sistema de saúde. A mortalidade de doenças agudas diminuiu; os processos éticos e jurídicos contra os profissionais reduziram de forma importante. Ganharam o médico, o sistema de saúde e, principalmente, o doente que passou a ser atendido de forma qualificada e humanizada. Os custos nos serviços foram equilibrados tornando estes mais eficazes e econômicos. A má prática passou a ser fato raro. Os novos profissionais, formados através do conceito do médico emergencista, realizam todos os procedimentos necessários à manutenção da vida de forma segura e correta. A especialização contribuiu para a prevenção e tratamento das doenças. Foi a única forma de o profissional se estabelecer no serviço e não utilizar o plantão apenas como um “bico” . Contribuiu para a diminuição da superlotação, já que o médico emergencista dá mais altas com segurança e interna apenas o necessário, além de solicitar exames de forma correta, ou seja, com indicação adequada. Nos países onde a Medicina de Emergência é uma especialidade, o profissional é bem conceituado e bem remunerado, diferente de nossa situação atual onde as condições de trabalho são desumanas e os salários são aviltantes. O profissional é humilhado, maltratado e dificilmente permanece muito tempo no setor. O caos nas emergências continua, enquanto fazemos reuniões e mais reuniões, discussões e mais discussões. A emergência continua com poucas perspectivas de mudanças. Não seria, senhores, uma INSENSATEZ de nossas instituições, permanecer discutindo o tema, sem efetivamente nada transformar? Voltando ao livro “A marcha da insensatez”, será que ninguém desconfiava daquele cavalo enorme? Quantos cristãos denunciaram as indulgências e ninguém fez nada? Por mais que aconselhassem os americanos, eles entraram no Vietnam e todos viram o resultado. Pois, amigos, chegamos à conclusão que processo semelhante acontece hoje na medicina brasileira, apesar de todas as discussões, de todos os fóruns, de todas as evidências. Forças reacionárias, ameaçadas no seu poder, conseguem barrar o que já está mais que claro para a maioria dos profissionais. Pessoas que não trabalham na emergência, não conhecem a emergência e principalmente não vivem a emergência conseguem impedir sua estruturação. A quem interessa esse caos? A causa da insensatez, mais uma vez, é a paixão pelo poder, seja ele social ou financeiro. O mais triste é que essa insensatez é transformada em mortes todos os dias nos milhares serviços de emergência de todo o país. Essa insensatez é transformada em maus tratos, humilhações e preconceitos aos profissionais que se dedicam a esta área. A insensatez levará ao extermínio de um ideal que é legítimo, verdadeiro e necessário ao nosso sistema de saúde e à nossa população. De alento serve saber que não descansaremos e continuaremos a defender esta ideia, única que pode dar início ao processo de transformação de nossas emergências e colocá-las no patamar de importância que elas merecem. Não deixaremos que a insensatez comande nossas mentes e marcharemos sempre com o propósito de fazer o que é melhor para o paciente: começo, meio e fim de nossa profissão. Por isso conclamo as nossas instituições que busquem oferecer respostas aos médicos brasileiros, de forma mais breve e enfática. Porque Medicina de Emergência ainda não é uma especialidade neste País? Para concluir, repetiremos a frase cunhada por John Kennedy: “Os problemas do mundo não podem ser resolvidos por céticos ou por cínicos, cujos horizontes se limitam as realidades evidentes. Temos a necessidade de homens capazes de imaginar o que nunca existiu”.
Eu, médico, trabalho na emergência 36horas por semana como plantonista e 24h diárias como gestor.
Frederico Arnaud
Presidente da ABRAMEDE- Associação Brasileira de Medicina de Emergência